terça-feira, 6 de dezembro de 2011

Amália Rodrigues

Dois dos vários temas seleccionados por Amália foram incluídos no máxi-single "O Senhor Extraterrestre" de 1982.

Nomes como Mário Martins ou Henrique Feist destacaram também o tema "O Nosso Povo" que agora pode ser ouvido no youtube.

tema da autoria de Carlos Paião

O Nosso Povo - Youtube 

Histórias de um homem-menino

Foi numa altura em que Amália Rodrigues andava “meio adoentada” que o produtor Mário Martins lhe ligou a dizer que tinha consigo uma cassete de “um miúdo muito bom” para ela ouvir. “Nesse dia cheguei a casa da Amália às sete da tarde. Recordo-me dela me ter dito que não estava com grande disposição e que queria deitar-se. Eu insisti, pus a cassete a tocar e às duas da manhã ela ainda ria às gargalhadas.” O miúdo chamava-se Carlos Paião e durante oito anos escreveu e deu a gravar mais de 80 canções para os mais variados artistas. Com a mesma facilidade tanto escrevia num dia para Lenita Gentil como no outro para a personagem de ‘José Estebes’.

Para Amália Rodrigues escreveu algumas canções, mas só ‘O Senhor Extraterrestre’ e ‘O Amigo Brasileiro’ foram a ser gravadas. Das 37 maquetas que um dia escolheu para si, a diva do fado ainda se sentiu tentada a dar voz à canção ‘É Fadista’, mas teve receio de chocar o meio mais purista já que o tema era uma paródia aos fadistas. O produtor de Paião recorda, a propósito, as palavras de Amália: “Ó Mário, afinal, é melhor não gravar!”

PROJECTOS INACABADOS

Foi já depois de ter escrito a famosa ‘‘canção’’ do beijinho para Herman José e de ter editado o seu primeiro single, ‘Souvenir de Portugal’, que, em 1981, Paião venceu o Festival RTP da Canção com ‘Play-Back’, quando todos esperavam uma vitória das Doce e de ‘Ali Babá’. Já lá vão 25 nos. Depois disso partiu para uma das mais notáveis carreiras da música ligeira portuguesa, só interrompida por um trágico acidente no dia 26 de Agosto de 1988.

Diz-se que terá escrito mais de 500 canções (só as tais 80 foram gravadas), mas mais do aquilo que fez, os que o recordam com saudade gostam de falar daquilo que Paião poderia ter feito. “Eu tinha para ele um projecto para fazer uma obra rock e um musical a partir de clássicos da literatura. Para Paião, todos os projectos eram bem-vindos, mas a partir de determinada altura ele deixou de ter tempo.”

MUITO PARA DAR

Escrevia depressa e bem. Do fado à canção infantil, da balada de amor à composição burlesca escreveu de tudo para todos. Joel Branco, o primeiro artista a gravar um tema de Paião, recorda o dia em que lhe bateu à porta e encomendou um tema a atirar para o rap. “Mandou-me entrar, deu duas voltas ao piano e em 15 minutos fez a música e a letra”. O tema chamava--se ‘Ora Toma’. Para David Ferreira, director-geral da sua editora, a Emi-Valentim de Carvalho, “o Carlos teve o azar de viver quando o Teatro de Revista estava decadente: sabia trabalhar sob pressão e teria escrito muitos mais clássicos se tem vivido noutro tempo e se tem vivido mais tempo”.

Carlos Manuel de Marques Paião nasceu em Coimbra em 1957. Do seu percurso profissional não consta qualquer nota de música até 1980, ano em que troca, em definitivo, a licenciatura em Medicina pela escola da canção. A partir daí, dedica-se a uma panóplia de actividades várias sob o mesmo denominador comum: a música.

A estreia aconteceu em 1978, no Festival de Ílhavo, de onde regressou a casa com dois prémios, nomeadamente o de melhor intérprete. Em 1980, os assessores directos de Mário Martins, o homem que descobriu e catapultou a carreira de Carlos Paião, ouviram uma cassete do músico e por incrível que pareça não gostaram. “Disseram-me que ele não tinha jeito para nada”, recorda o produtor. Só não saiu um puxão de orelhas, porque depressa as evidências se encarregaram de falar por si. Foi quando o ‘Play-Back’ ganhou o Festival e Carlos Paião iniciou uma carreira sem precedentes.

Se primeiro escreveu, depois decidiu cantar. “Ele não tinha aquilo a que se pudesse chamar uma grande voz. Mas aprendeu a tirar partido dela”, comenta Joel Branco, que guardará para sempre na memória a forma como o músico tentava sempre arranjar trabalho para os seus colegas de profissão. “Quando ia a uma festa a uma terreola, perguntava sempre se já lá tinha ido fulano tal e depois deixava os nossos contactos pessoais. Eu recordo-me que tive vários espectáculos arranjados por ele.”

O FINAL TRÁGICO

Carlos Paião desapareceu num trágico acidente de viação, aos 31 anos, ironicamente esmagado pela aparelhagem e pelas colunas de som que transportava no carro, um dia depois do não menos trágico incêndio do Chiado. “Uns dias antes tínhamos estado, curiosamente, a falar dos perigos na estrada”, recorda Herman José. “A sua morte foi violenta, como a de um familiar.”

Em vida, mais do que colaboradores, Carlos Paião fez amigos. Alexandra, Pedro Couceiro, José da Câmara, Dulce Guimarães, Vasco Rafael, Nuno da Câmara Pereira, Amália Rodrigues, Carlos Quintas... a lista é quase infindável. As memórias de hoje são as de um homem-menino que gostava de rir e fazer rir. “Lembro-me dele ao telefone, em chinelos. Atirava-os ao ar e ia a correr apanhá-los, como um miúdo”, conta Ana.

Mário Martins recorda o dia em que os dois foram ao Japão. “Tocámos num dos maiores festivais do Mundo. Durante os ensaios, vimos a apresentadora, uma chinesa enorme. Carlos chamou-me e perguntou-me: Sabes como é que ela se chama?: ‘Kusuda!’”

PORQUE REFILAR FAZIA MAL À VESÍCULA

Todos são unânimes. Carlos Paião sabia como ninguém brincar com as palavras. Humor, humor e humor. Para si, rir era o melhor remédio e era essa a mensagem que fazia passar a todos, mesmo para quem não soubesse cantar ou sequer assobiar. O mais recente disco lançado pela EMI Portugal é disso um bom exemplo. Para ouvir estão alguns dos maiores sucessos do compositor interpretados por algumas das vozes que os imortalizaram, da ‘Canção do Beijinho’, de Herman José, ao ‘Quanto Mais Te Bato’, de Ana, passando por ‘O Fado é Fixe’, de Vasco Rafael.

Para quem muitas vezes disse que Carlos Paião estava à frente do seu tempo, qualquer uma das suas canções é prova bastante. Escutem-se por exemplo ‘Trocas e Baldrocas’, ‘Refilar Faz Mal à Vesícula, Mais o Diabo a Sete’, ‘Estou Velho’, ‘Fado Reguila’ ou ‘Ai que Pena’. Finalmente ‘Cinderela’, ‘Play-Back’ (que o levou ao Festival da Eurovisão, em Dublin, em plena lua-de-mel), (...), e ainda ‘Bamos Lá Cambada’ que andaria na boca de todos. “Uma sexta-feira pedimos ao Carlos um hino não oficial para a participação portuguesa no México’86 e na segunda-feira seguinte ele apareceu com o ‘Bamos lá Cambada’, que é talvez o melhor que já tivemos no nosso futebol”, recorda David Ferreira.

AS MEMÓRIAS QUE OS AMIGOS GUARDAM DELE

“ERA UM MIÚDO COMO EU" (Herman José)

“Recordo as tardes de trabalho em casa do Carlos. Passávamos o tempo a rir e levávamos raspanetes da mulher porque estragávamos a alcatifa e os móveis. Ele tinha uma cadela que ficava histérica com as nossas brincadeiras. Era um miúdo como eu”, lembra Herman José. Paião escreveu várias canções para o humorista, 12 das quais só para o personagem Serafim Saudade. O compositor chegou a participar no ‘Humor de Perdição’, a fazer de médico, profissão que nunca exerceu.

“TINHA-LHE PEDIDO UM FADO” (Ana)

Ele era “único talentoso e genial”. Ana insiste nos adjectivos para caracterizar a obra de Carlos Paião. “Ele fazia música popular sem ser brejeiro e era entendido por todos.” A morte impediu-o de fazer mais. A cantora recebeu a notícia a caminho de um espectáculo. “Foi a noite mais difícil da minha vida. Uns dias antes tinha-lhe pedido um fado.” Ana foi a primeira cantora feminina a gravar um tema de Paião. Ficou amiga de família. “Ainda hoje, a mulher dele continua a ser a minha médica.”

“SENTIA QUE IA DESAPARECER” (José Alberto Reis)

Foi com a canção ‘Palavras Cruzadas’ que José Alberto Reis participou no Festival RTP da Canção em 1989, “já a título póstumo”, recorda. A canção, curiosamente, nunca viria a ser gravada. “Conheci o Carlos Paião no Casino da Póvoa do Varzim. Foi um ano antes dele falecer. Voltámos a encontrar-nos numa discoteca no Porto e recordo-me que ficámos à conversa até de manhã”, conta o cantor. “Numa das últimas conversas que tivemos disse-me que sentia que ia desaparecer.”

“LEVAVA SEMPRE OS PAIS” (Nuno da Câmara Pereira)

“O Carlos Paião era um génio e morreu cedo como todos os grandes compositores e escritores.” Para Nuno da Câmara Pereira as memórias ainda estão muito vivas. “Recordo o facto curioso dele levar quase sempre os pais para os espectáculos.” O primeiro contacto aconteceu na EMI-Valentim de Carvalho, editora que partilhavam. Nuno da Câmara Pereira gravou três temas de Paião, mas destaca toda a obra. “Ele sabia transformar uma imagem poética numa imagem real.”

Miguel Azevedo / Correio da Manhã, 25/11/2006

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Lenita Gentil

Eles Foram Tão Longe/Pesadelo (Single, Rádio Triunfo, 1982)

"Eles Foram Tão Longe" é um dos temas mais marcantes da carreira de Lenita Gentil. O single contém dois temas de Carlos Paião que também assinou a produção.

Carlos Paião escreveu também o tema "Portugal A Pena".

Eles Foram Tão Longe
Pesadelo
Portugal A Pena

imagem do single (O Cantinho das Colecções)

domingo, 4 de dezembro de 2011

Rodrigo

Parece que é Bruxo - Rodrigo (Single, Rádio Triunfo, 1983)

(LP, Polygram, 1986) Salada de Alface

Parece que é Bruxo
Salada de Alface

(ambos os temas são da autoria de Carlos Paião e António Tavares Teles)

imagem

Nota: na Biografia de NGP refere-se um tema não encontrado de Rodrigo ("Alfacinha")

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Entrevista a Nuno Gonçalo da Paula

"Carlos Paião é uma figura muito querida"

O aveirense Nuno Gonçalo da Paula, não se assume como escritor, mas já tem dois livros publicados, o primeiro sobre o compositor Nóbrega e Sousa (Aveiro, 1913 – Lisboa, 2001), o segundo, “Intervalo”, sobre Carlos Paião. O músico de Ílhavo mostra que “mais vale um caminho difícil mas de acordo com os nossos princípios e real valor do que andar ao sabor do vento e das modas”, afirma o biógrafo.

CORREIO DO VOUGA - No dia 5 de Novembro foi lançado em Lisboa “Intervalo”, a biografia de Carlos Paião (1957-1988). Como tem sido a recepção desta obra?

NUNO GONÇALO DA PAULA - Tem sido bastante positiva, quer da parte do público quer da comunicação social. Carlos Paião é uma figura muito querida. Há uma empatia com o seu nome e a sua memória por parte de toda a gente, e grande audiência aos programas de televisão onde o livro foi pré-lançado com a presença de familiares, amigos e colegas de Carlos Paião e de mim próprio, que ajudam a aguçar a curiosidade do público em relação à obra.

CDV - Porque decidiu escrever sobre Carlos Paião?

NGP - Da música portuguesa dos anos oitenta, apenas duas personalidades me chamaram fortemente à atenção: António Variações e Carlos Paião. O primeiro, mais até do que fenómeno musical, será um fenómeno estético e de mutação de mentalidades. Já Carlos Paião é nitidamente um caso musical, de grande qualidade e excelência na ligação que faz com a música e a palavra, e também entre a música ligeira portuguesa e a nova música. Pela admiração que tenho pelo artista e pelo respeito que nutro pelo lado humano de Carlos Paião, pensei em investigar a sua obra e traçar os aspectos mais importantes da sua vida.

CDV - O seu trabalho conta com depoimentos de muitas personalidades, principalmente ligadas à música, porque Carlos Paião era, como disse, querido no mundo do espectáculo?

NGP - Muitíssimo, mas não só na música. Tive o privilégio de ver o livro prefaciado pela Dr.ª Maria Barroso, sugerido pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa e apresentado pelo jornalista Joaquim Letria. Mas, de facto, na música, era muito querido por muitos, desde a Amália Rodrigues, passando por Herman José, a Florbela Queiroz, Raul Solnado, Nicolau Breyner... Tanta gente... Sobretudo há o lado humano e solidário que ressalta em todos eles e a admiração por um colega que, em dez anos de actividade profissional, escreveu belíssimas canções, interpretadas por si, e também muitas outras espalhadas por vários artistas com generosidade e atenção em dar a canção que poderia valorizar a voz de cada um.

CDV - Quando se escreve a biografia de alguém, por vezes os biógrafos tornam-se íntimos dos biografados, mesmo que os separe muito tempo. Isso aconteceu consigo?

NGP - Há uma fácil identificação com Carlos Paião. Ele morreu com mais três anos de vida à idade que tenho hoje, o que evidencia ainda mais admiração por ele. Em muitas ocasiões tracei um paralelo com as suas inquietações e lutas sem sucesso à vista. Principalmente fez solidificar a ideia de que mais vale um caminho difícil mas de acordo com os nossos princípios e real valor do que andar ao sabor do vento e das modas.

CDV - Do que gostou mais de descobrir?

NGP - Quando me desloquei a casa da viúva de Carlos Paião, pedi para que ela me mostrasse alguns manuscritos, que sabia existirem, com as letras das canções que ele foi escrevendo. Fui surpreendido ao ver uma gaveta enorme repleta de papéis escritos à mão e dactilografados. Carlos Paião tinha sobretudo as suas canções na cabeça e sempre a fervilhar na ideia frases e compassos, daí a facilidade em compor. O aparentemente fácil pressupõe um árduo trabalho interior. Deparei-me então com essa gaveta, e alguns dos poemas que lá encontrei estão reproduzidos “fac-simile” no livro. Nesse aspecto, chamo a atenção para alguns inéditos que apresento, particularmente um que Amália gravou e ainda hoje a Valentim de Carvalho espantosamente conserva sem publicitar.

CDV - Qual a maior dificuldade na investigação da vida deste cantor?

NGP - Não tive dificuldades de maior. Se pensar que no livro anterior, tive as décadas de 1930 e 1940 com três ou quatro notícias, e a vida artística de Carlos Paião concentra-se em dez anos, muito bem documentados com dezenas de entrevistas que foi concedendo e artigos vários, tive bastante sorte. A dificuldade, mas também o fascínio, foi recolher toda a discografia dele, quer em nome próprio quer como autor. Faltam-me três discos para a completar. Quem sabe um dia...

CDV - Escreveu uma biografia de Nóbrega e Sousa, “Música no Coração”, e agora esta sobre Carlos Paião. Assume-se como biógrafo de cantores?

NGP - Nem escritor me assumo... Fernando Pessoa publicou um livro em vida, eu já publiquei dois, portanto, nem iria pela parte do ser biógrafo ou escritor, não serei nada disso. Apenas me proponho a contar a vida de pessoas que admiro com o máximo de rigor e pesquisa, querendo suscitar o interesse de quem possa ler e também chamar à atenção para alguns aspectos até então pouco referidos nas suas carreiras.

CDV - Tem resultados da venda da biografia de Nóbrega e Sousa? E de “Intervalo”?

NGP - Sim. A de Nóbrega e Sousa tem a primeira edição quase esgotada. Quanto a “Intervalo”, pela reacção que me chega de várias pessoas que compraram o livro e o ofereceram, também me parece que as vendas se encaminham bem. Porém, a cultura é sempre a primeira a sofrer quando há cortes a fazer na bolsa das pessoas, embora estes livros estejam, creio eu, a preços acessíveis, dezasseis e dezoito euros.

CDV - Tem algum projecto em carteira?

NGP - Gostava de fazer outros trabalhos, não só ao nível da música mas também de personalidades fora dela. Será uma questão de tempo, de disponibilidade e interesse dos familiares dos biografados e de sorte.

Entrevista conduzida por Jorge Pires Ferreira


Correio do Vouga, 16/11/2011

Na obra, Nuno Gonçalo da Paula apresenta testemunhos de personalidades que contactaram com o artista, como António Pinto Basto, António Sala, Carlos Castro, David Ferreira, Dulce Guimarães, Eládio Clímaco, Florbela Queiroz, Herman José, Joaquim Letria, Maria de Lourdes Resende, Mário Zambujal, Mísia, Nuno Artur Silva, Paulo de Carvalho, Rámon Galarza, Raul Solnado, Rodrigo ou Tonicha, entre outros. São ainda apresentadas diversas fotografias do espólio particular dos pais e da mulher ou imagens e textos inéditos. (DA)