quinta-feira, 12 de novembro de 2009

António Sala

«Conheci o Carlos Paião algum tempo antes do lançamento daquele que viria ser o seu 1º disco. Foi-me apresentado por dois amigos, um infelizmente também já desaparecido, Henrique Amoroso. O outro foi o Produtor Mário Martins, grande responsável pela sua descoberta e principal impulsionador de toda a sua carreira discográfica.

Logo aí nasceu uma amizade muito forte e uma enorme ligação afectiva e de trabalho entre mim e o Carlos Paião, que se estendeu igualmente às nossas famílias. Foi um privilégio para mim e o Luís Arriaga trabalhar em televisão na área criativa, com o Carlos. Foi muito estimulante, porque a sua capacidade inventiva era tão grande e de tanta qualidade, que nos obrigava a ir aos nossos limites e a desenvolver as nossas aptidões para o conseguir acompanhar minimamente.

Os nossos maiores esforços eram para o Carlos coisas absolutamente fáceis de ele fazer.

Tinha uma veia criadora invulgar, como guionista, poeta e músico. Um compositor e autor simplesmente fantástico. Nos espectáculos era de um enorme profissionalismo. Tinha o seu espectáculo meticulosamente montado. Era de uma seriedade de processos imbatível. Cuidados levados ao extremo com as suas equipas, o som, as luzes, o reportório, a imagem, a sua forma divertida de comunicar. Aquele estilo meio tímido, meio brincalhão, resultado de uma inteligência invulgar e com intuição do equilíbrio perfeito e único num homem muito culto.

No seu quotidiano era uma pessoa "loucamente" divertida. Sabia criar muito bom ambiente e era muito amigo dos seus amigos. Gostava de pregar partidas aos que o rodeavam.

Apesar de uma grande timidez, o Carlos vencia por vezes essa sua característica, com posturas que se poderiam considerar "politicamente incorrectas". Tinha enormes qualidades, destaco a seriedade, lealdade, sentido de justiça e espírito solidário.

Apesar de ter uma licenciatura em medicina, sempre que o consultávamos sobre assuntos relacionados com saúde "fugia" do tema a sete pés. Brincava de forma descomplexada com aquilo que considerava a sua "falta de vocação" e apontava logo para a sua mulher, a Dr.ª Zaida - também ela médica - para ser ela a responder a qualquer dessas questões. Se insistíamos com ele gracejava dizendo coisas do tipo "...tu queres mesmo é morrer! Não tens amor nenhum à vida! Queres mesmo que seja eu a tratar-te? OK, vamos lá tratar do burro" e outras frases do género.

Tinha todas as receitas, mas para a "medicina" da música, para isso sim, tinha sempre os melhores "remédios" em notas musicais e poemas ou textos. Felizmente estão aí para se ouvir e ler. Como são fantásticos e intemporais. Carlos Paião foi um artista genial e um homem maravilhoso. Uma das melhores pessoas que passou pela minha vida.

Ainda hoje choro a morte deste amigo e o seu desaparecimento foi dos momentos mais dolorosos que vivi. Sobram-me felizmente muitas e boas recordações. Espectáculos que fizemos juntos em Portugal e no estrangeiro. Também televisão e muita rádio.

O Carlos valorizou o meu programa "Despertar" com participações que foram inesquecíveis. Ficam entre nós vários discos, canções e acima de tudo a cumplicidade de ter partilhado uma amizade única com um homem e artista de talento único. Carlos Paião é um dos melhores criadores musicais do século XX no nosso País.»

António Sala

(Prefacio do livro "Inspirada na Minha Paixão - Carlos Paião 1957-1988")

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